Sobral-O Homem que não tinha Preço: Cineasta destaca trajetória de advogado que enfrentou a ditadura militar

Sobral-O Homem que não tinha Preço: Cineasta destaca trajetória de advogado que enfrentou a ditadura militar

Em 1984, a ditadura militar dava seus últimos suspiros. O Brasil vivia a onda dos comícios pelas Diretas. No evento realizado na Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro, uma garota de 16 anos chamada Paula Fiúza foi com seus amigos participar daquele momento importante. O local estava tomado pela multidão que desejava ter de volta o direito de eleger o presidente da Repú­blica. No palco daquele comício estavam Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e um senhor de quase 90 anos, com voz firme, falando ao microfone o artigo primeiro da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo”. A menina Paula viu naquele instante, diante da multidão que tomava conta da Cinelândia, a força e a importância que seu avô Heráclito Sobral Pinto tinha para a história do Brasil. Assim começa o filme “Sobral — O Homem que não Tinha Preço”, dirigido pela neta do protagonista.

Com depoimentos de pessoas que conviveram com Sobral Pinto e com imagens de entrevistas, Paula apresenta no filme a trajetória do advogado que foi fiel às suas convicções e tinha uma fé inquebrantável no Direito. Sobral, um católico conservador, não viu empecilhos em defender Luís Carlos Prestes quando fora preso durante o Estado Novo. As péssimas condições vividas pelos presos políticos nas cadeias fez com que Sobral usasse a lei de proteção aos animais para garantir as mínimas condições aos perseguidos pela ditadura getulista. No filme aparece os velhinhos Sobral e Prestes conversando como bons amigos, mesmo que as visões de mundo de cada um fizessem com que os dois seguissem caminhos opostos. Sobral ajudaria Prestes a salvar sua filha Anita quando sua mulher Olga Benario fora deportada para a Alemanha nazista. Anita aparece no filme e afirma que Sobral foi seu segundo pai.

Sobral defendeu em meados dos anos 1950, a posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da República. Mesmo sendo udenista, o advogado ficou ao lado da lei que garantia a posse ao vencedor do pleito de 1955. Quando tomou posse no ano seguinte, Kubitschek pretendia indicar Sobral para o Supremo Tribunal Federal, mas ele declinou do convite, pois poderia parecer uma troca de favor do presidente já que o advogado apoiara sua posse.

Durante a ditadura militar, Sobral Pinto foi defensor dos presos políticos. Era a segunda vez que o advogado se colocava contra uma ditadura autoritária. Sobral reconheceu que apoiou o golpe contra João Goulart por conta do perigo comunista, mas retirou o apoio assim que percebeu que os militares permaneceriam no poder por um longo tempo.

No início dos anos 1970, Sobral estava em Goiânia. Ele seria o paraninfo de uma turma de Direito. Um major bateu na porta do seu quarto. Tinha em mãos uma ordem de prisão expedida pelo presidente da República. Sobral disse: “O senhor é major, portanto, tem o dever de cumprir as ordens de um general. Mas eu sou um paisana e não devo cumprir ordens de um major”. Mesmo assim, Sobral foi preso e levado para Brasília.

O filme também mostra o “outro lado” de Sobral. Em 1955, Lutero Vargas acusou o advogado de ter um caso extraconjugal. Católico fervoroso, Sobral sentiu-se envergonhado pela traição. Reuniu a família em sua casa e explicou o que havia acontecido. Como afirma uma de suas filhas no filme, era como se Sobral saísse do pedestal que todos o colocaram por conta de sua atuação como advogado e se transformasse em um ser humano, uma pessoa próxima.

O que chama a atenção no filme é a força com que Sobral Pinto defende o Direito. Com 90 anos, sua voz estava límpida, os punhos fechados como se, ao relembrar os tempos de luta, estivessem a postos para enfrentar mais um inimigo. O advogado dizia que aquela força advinha da sua fé. Quando perguntado sobre qual mensagem deixaria aos jovens, Sobral pediu que retornassem ao Direito antes da Primeira Guerra Mundial, quando não era necessária a força da violência. Pediu aos “moços” que usassem a força das palavras e o poder da argumentação. Um pedido mais do que necessário nos dias de hoje.

O filme “Sobral — O Homem que não Tinha Preço” está em cartaz nos cinemas justamente no momento em que os mensaleiros estão presos. Um momento mais do que adequado para se ver o filme sobre um homem que enfrentou duas ditaduras e defendeu pessoas das mais variadas visões de mundo porque tinha fé no Direito e no poder de argumentação.

Carlos César Higa é mestrando em História pela Universidade Federal de Goiás.

 

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